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PLURAL: os textos de Márcio Bernardes e Rony Cavalli


O país e as palavras: 5 de outubro de 1988
Márcio de Souza Bernardes
Advogado e professor universitário

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Era mês de agosto do ano 1977. Plena ditadura militar. Do pátio da Faculdade de Direito do Largo do São Francisco, da USP, um professor de Direito, Goffredo Telles Junior, em meio a uma multidão de estudantes, advogados, outros professores, lê as seguintes palavras: "Das Arcadas do Largo de São Francisco, do Território Livre da Academia de Direito de São Paulo, dirigimos, a todos os brasileiros esta Mensagem de Aniversário, que é a Proclamação de Princípios de nossas convicções políticas. Na qualidade de herdeiros do patrimônio recebido de nossos maiores, ao ensejo do Sesquicentenário dos Cursos Jurídicos no Brasil, queremos dar o testemunho, para as gerações futuras, de que os ideais do Estado de Direito, apesar da conjuntura da hora presente, vivem e atuam, hoje como ontem, no espírito vigilante da nacionalidade. Queremos dizer, sobretudo aos moços, que nós aqui estamos e aqui permanecemos, decididos, como sempre, a lutar pelos Direitos Humanos, contra a opressão de todas as ditaduras (...)". Assim começa Carta aos Brasileiros, um manifesto político-jurídico que fundou um profundo debate pela instituição de um Estado Democrático de Direito no país. Era um grito de esperança e luta.

Dez anos depois, em 1987, estas palavras ainda ecoavam no país, palco de uma Assembleia Nacional Constituinte. No dia 5 de outubro de 1988, outras palavras, filhas daquelas de 1977, ressoavam nas rádios, televisões, e salões do Congresso Nacional, saídas da boca de Ulysses Guimarães: "Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca". Traidor da Constituição é traidor da pátria. (...)Temos ódio à ditadura. Ódio e nojo. Amaldiçoamos a tirania onde quer que ela desgrace homens e nações. Principalmente na América Latina". Era o momento da Promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Momento em que sonhos convergiram. Instituía-se, ali, segundo as palavras insculpidas no seu preâmbulo, um Estado Democrático destinado a assegurar o exercício dos direito sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social.

Segunda-feira, dia 5 de outubro de 2020. Poucos lembraram da aniversariante, de suas palavras, de seus compromissos. Passados 32 anos da promulgação da Constituição Federal de 1988, professor de direito que sou, me vejo na obrigação de lembrar dela e das palavras de Goffredo Telles Jr e dizer "sobretudo aos moços, que nós aqui estamos e aqui permanecemos, decididos, como sempre, a lutar pelos Direitos Humanos, contra a opressão de todas as ditaduras".


Decadência do universo jurídico
Rony Pillar Cavalli
Advogado e professor universitário

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Quando iniciei no mundo do Direito, como office boy do Dr. Amaro Dominguez, na minha São Francisco de Assis, aos 11,5 anos de idade, enxergava os profissionais do Direito como verdadeiras erudições em forma humana e isto não era apenas uma imagem. Juízes, advogados e promotores eram pessoas cultas não apenas juridicamente, mas normalmente cultos em cultura geral.

Quando ingressei no curso de Direito, em 1990, a realidade ainda era esta e me atrevo a afirmar que quando me formei, em 1995, o prestígio do universo jurídico ainda era retumbante.

Desde 1827, ano de criação dos dois primeiros cursos de Direito no Brasil, em Olinda, origem do Curso de Direito da Universidade Federal de Pernambuco e em São Paulo, com o respeitado Curso de Direito do Largo do São Francisco, hoje Curso de Direito da USP, até minha formatura em 1995 existiam cerca de 220 cursos jurídicos no Brasil, em mais de um século e meio de história e hoje existem cerca de 1650 cursos no País.

Lembro-me da fala do então Ministro da Educação do primeiro governo Lula, o qual fez literal explicação do porquê ocorreu investimento massivo no ensino superior. Referiu Cristóvão Buarque: "Lula perguntou o que geraria mais votos, ao que foi respondido que seria o investimento em ensino superior".

Em 168 anos criou-se 220 e em 26 anos foram criados mais de 1400 novos cursos de Direito.

Quando critico a má formação dos nossos Juízes, não faço sem motivos, mas sou obrigado a estender a mesma crítica a todas as carreiras jurídicas.

A OAB, em razão desta proliferação de cursos jurídicos, tentou qualificar seus quadros com a obrigatoriedade da aprovação no exame da Ordem como requisito à inscrição dos novos advogados. Porém, embora muito pior seria sem o exame, este não resolve o problema, pois apesar da massiva reprovação, a prova aplicada pela Ordem pode ser classificada de mediana para baixo e o formato do concurso, cuja média exigida para aprovação é apenas cinco, não exige maiores qualificações, visto que não existe limite de vagas e quem atingir 50% de conhecimento na prova é aprovado. O alto índice de reprovação na prova descortina a falência do sistema de ensino jurídico brasileiro.

As carreiras jurídicas de Estado, como juízes, procuradores e promotores, apesar dos formatos de concursos serem mais acirrados, a verdade é que hoje existe um verdadeiro "adestramento" dos candidatos e boa parte não são aprovados por serem conhecedores da ciência jurídica e sim porque contaram com "adestradores" competentes em seus treinos.

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